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Potencializar as qualidades humanas: a missão esquecida da psicologia


Imagine que alguém se ofereça para entender os seres humanos, mas, ao fazê-lo, ensine apenas acerca de seus defeitos e patologias. Ainda que pareça um exagero, um questionamento do tipo “O que há de errado com as pessoas?” orientou o trabalho da maioria dos praticantes da psicologia aplicada (clínicos, escolares, etc.) no século XX. Em virtude das muitas formas de falibilidade humana, essa pergunta gerou uma avalanche de ideias sobre o “lado obscuro” do ser humano. Contudo, à medida que o século XXI avança, começamos a nos fazer outra pergunta: “O que há de certo com as pessoas?”. Essa interrogação está no centro da iniciativa emergente da psicologia positiva, que é o enfoque científico e aplicado da descoberta das qualidades das pessoas e da promoção de seu funcionamento positivo.


 

Confira o artigo no qual o pioneiro da psicologia positiva, Martin E. P. Seligman, apresenta suas visões sobre a necessidade desse campo:



Potencializar as qualidades humanas: a missão esquecida da psicologia

Martin E. P. Seligman Presidente da American Psychological Association


Antes da Segunda Guerra Mundial, a psicologia tinha três missões: curar as doenças mentais, tornar a vida das pessoas mais satisfatória e identificar e cultivar talentos superiores. Depois da Guerra, dois eventos mudaram a cara da psicologia. Em 1946, foi criada a Administração para os Veteranos de Guerra (Veterans Administration) nos Estados Unidos, e os profissionais da psicologia descobriram que poderiam ganhar a vida tratando de doenças mentais. Em 1947, instituiu-se o Instituto Nacional de Saúde Mental (National Institute of Mental Health), e os psicólogos acadêmicos descobriram que poderiam obter financiamentos para a pesquisa sobre doenças mentais.

Como resultado disso, demos passos enormes rumo à compreensão e ao tratamento da doença mental. Pelo menos dez transtornos que anteriormente não eram tratáveis abriram seus segredos e agora podem ser curados ou aliviados consideravelmente. Melhor do que isso: milhões de pessoas tiveram seus problemas aliviados pelos psicólogos.


Nossas missões negligenciadas


Entretanto, o lado negativo foi que as duas outras missões fundamentais – melhorar a vida das pessoas e estimular os “superdotados” – foram totalmente esquecidas. Viramos uma vitimologia. Os seres humanos passaram a ser vistos como focos passivos: os estímulos chegavam e geravam “respostas”, ou “reforçamentos” externos enfraqueciam ou fortaleciam “respostas”, ou conflitos da infância comandavam o ser humano. Considerando o ser humano como essencialmente passivo, os psicólogos tratavam a doença mental dentro de um quadro teórico voltado a consertar hábitos problemáticos, infâncias problemáticas e cérebros problemáticos.

Cinquenta anos depois, quero lembrar à nossa área de que ela se desviou. A psicologia não é apenas o estudo da fraqueza e do dano, mas também o estudo da qualidade e da virtude. Tratar não significa apenas consertar o que está com defeito, mas também cultivar o que temos de melhor. Trazer esse aspecto para o primeiro plano é o trabalho da Força-tarefa Presidencial sobre Prevenção (Presidential Task Force on Prevention), coordenada por Suzanne Bennett Johnson e Roger Weissberg. Essa força-tarefa assume uma série de incumbências: tentará identificar as “melhores práticas na prevenção”, sob a direção de Karol Kumpfer, Lizette Peterson e Peter Muehrer; explorará “a criação de uma nova profissão: formação em prevenção e promoção de saúde”, promovendo conferências sobre a formação da nova geração de psicólogos da prevenção, sob a coordenação de Irwin Sandler, Shana Millstein, Mark Greenberg e Norman Anderson; funcionará com Henry Tomes, do Public Interest Directorate, da APA, na campanha de propaganda para prevenir a violência nas crianças; patrocinará uma edição especial da revista American Psychologist sobre prevenção, organizada por Mihaly Csikszentmihalyi, e, liderada por Camilla Benbow, questionará o que a psicologia pode fazer para estimular crianças com talentos extremamente elevados.


Potencializando as qualidades, a resiliência e a saúde nos jovens


Precisamos de psicólogos que trabalhem com famílias, escolas, comunidades religiosas e empresas para enfatizar seu papel fundamental de potencializar as qualidades.

Martin E. P. Seligman


Contudo, resta uma questão por trás disso: como podemos prevenir problemas como depressão, abuso de drogas e álcool, esquizofrenia, AIDS ou danos em jovens e crianças que sejam geneticamente vulneráveis ou que vivam em mundos que estimulam esses problemas? O que aprendemos é que patologizar não nos aproxima da prevenção de transtornos graves. Os grandes avanços na prevenção vieram principalmente da construção de uma ciência voltada à promoção sistemática da competência dos indivíduos. Descobrimos que há um conjunto de qualidades humanas que são os mais prováveis parachoques contra a doença mental: coragem, otimismo, habilidade interpessoal, ética no trabalho, esperança, honestidade e perseverança. Grande parte da tarefa da prevenção será criar uma ciência das qualidades humanas, cuja missão seja estimular essas virtudes nos jovens. Cinquenta anos de trabalho dentro de um modelo médico baseado no defeito pessoal e no cérebro problemático deixaram as profissões da saúde mental mal-equipadas para realizar a prevenção eficaz. Precisamos de pesquisas de grande porte sobre qualidades e virtudes humanas. Precisamos de profissionais que reconheçam que grande parte do melhor trabalho que realizam é amplificar essas qualidades, em lugar de consertar os defeitos de seus pacientes. Precisamos de psicólogos que trabalhem com famílias, escolas, comunidades religiosas e empresas para enfatizar seu papel fundamental de potencializar as qualidades.

As principais teorias psicológicas mudaram para ser o alicerce de uma nova ciência das qualidades e da resiliência. As pessoas, até mesmo as crianças, são consideradas atualmente como tomadoras de decisões, com opções, preferências e a possibilidade de se tornar habilidosas, eficazes ou, em circunstâncias negativas, desamparadas e desesperançosas. Essa ciência e essa prática prevenirão muitos dos principais transtornos emocionais. Elas também terão efeitos colaterais. Tudo o que estamos aprendendo sobre os efeitos do comportamento e do bem-estar mental sobre o corpo tornará nossos clientes mais saudáveis fisicamente. Também vai reorientar a psicologia para suas duas missões negligenciadas, fortalecendo as pessoas normais e tornando-as mais produtivas, bem como realizando o potencial superior dos seres humanos.


Fonte: De Seligman, M., Building human strength: Psychology’s forgotten mission, in APA Monitor, janeiro 1998, p. 2. Direitos autorais © 1998, de American Psychological Association.

Em Snyder, C. & Lopez, SJ (2011). Psicologia positiva: uma abordagem científica e prática das qualidades humanas . Grupo A.


 

A nova era da psicologia positiva| Martin Seligman • TED2004

Martin Seligman fala sobre a psicologia como um campo de estudo e também da sua abordagem frente-a-frente com cada paciente e cada profissional. Ultrapassando o foco na doença, interessa-se por aquilo que a psicologia moderna pode contribuir para o desenvolvimento pessoal de cada um de nós.

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